quarta-feira, 15 de abril de 2009

Actores Sociais - Uma força política ímpar na defesa dos afectos e direitos

Sem o afecto, o direito, ainda que justo, será sempre como uma árvore de ramos secos, estéril, sem vida... incapaz do impossível


Ao proporcionar uma consciência maior do seu papel, a reflexão sobre os actores sociais apenas iniciada, deseja ser uma afirmação pública da força política que os caracteriza na defesa dos afectos e direitos e um incentivo a continuar a ser, sem desistências, e onde quer se encontrem, pessoas que amam o seu semelhante e lhe garantem, na medida do impossível, a protecção e segurança que advém do acesso aos direitos.

Neste contexto, a Associação CAIS interroga a qualidade do amor e do direito que se vive em Portugal, nas instituições públicas e privadas, e exige, de quem governa, um investimento maior no apoio às famílias, para que não lhes falte tempo para amar e o fundamental acesso a bens e serviços.


Afecto e Direito
Numa introdução à Filosofia Política, Jonathan Wolf esclarece que o que constitui a virtude primordial da família não é a justiça mas o afecto e que a justiça deve ser entendida como a derradeira virtude, ou seja, uma apólice de seguro ou o último recurso quando a virtude começa a rarear.

No espaço da família, as pessoas que se amam não se distribuem direitos nem obrigações, porque quem ama não age pela justiça e não quer o dinheiro ou a riqueza só para si.

Ainda que a pobreza e a desigualdade em Portugal sejam vistas como um problema socio-econónico e político grave, a verdade é que elas são sobretudo um problema socioafectivo.

O problema, por estranho que possa parecer a quem estuda estes fenómenos mais do ponto de vista da economia ou do direito, está no facto de se amar cada vez menos e de amar mal. O amor não é caridade muito menos possessão. Amar é cuidar de alguém na medida do impossível.

Ainda que sem rendimentos, sem trabalho, sem casa, o que se revela como sendo o pior drama na vida de uma pessoa é a ausência de laços afectivos e um inexistente sentido de pertença.

Assim, a qualidade e a força do nosso direito irá depender sempre muito da qualidade do amor de alguém. Quem nunca foi amado e, por isso, não ama ou não sabe amar não tem lugar para os outros, muito menos para os outros numa situação de pobreza extrema.

A diminuição significativa dos índices de pobreza e desigualdade em Portugal, dependerão sempre dos filhos que foram bem ou mal amados e, por consequência, da qualidade das leis nascidas da ausência ou da abundância de afecto.

Crucial esclarecer-se, no entanto, que se por um lado o direito não pode dispensar o afecto, porque, na sua ausência, um estado de direito, ainda que justo, será sempre numa sociedade fria, obrigada, distante, impessoal, dessecada, estéril, sem vida e incapaz de ir além daquilo a que cada um tem direito - o impossível, por outro, os afectos não podem dispensar o direito, porque na sua ausência o direito é a única segurança possível, a única forma de estabelecer e de garantir o reconhecimento da dignidade do outro.

Actores Sociais
O actor social é a dimensão profética da política, o que a legitima e lhe confere genuinidade. Sem ela, a política corre seriamente o risco de se tornar mera ditadura ou tirania.

Se, por um lado, o actor social é, em cada dia, o rosto visível da capacidade de amar de um país e da qualidade da sua justiça, por outro, ele é o lugar da resistência desse mesmo país, a voz que denúncia a ausência de amor e a violação do direito, e, por consequência, a força profética que os arrasta na direcção do que possa estar para além dos seus limites ou do que possa ser humanamente possível.

A missão do actor social não é tarefa fácil. É exigente no trato, no tempo, na mente e no corpo. O desgaste que provoca, num remar constante contra ventos e marés, é enorme e talvez por isso muitos abandonem o barco, também por que frequentemente se achem pouco reconhecidos, estimados, seguros e até mal pagos – porque continua a existir quem defenda que o actor social devia ser um voluntário não-remunerado, como se alguém pudesse apenas viver do ar que respira.

Mas, apesar de desgastante, esta também é uma missão a quem se conhecem as alegrias, o entusiasmo, o poder criativo, a pujança, a festa, a gratidão, e no fim de tudo, a satisfação de se ter conseguido para alguém o que parecia impossível.

Henrique Pinto

2 comentários:

Ricardo Castro disse...

Tenho alguma dificuldade em discutir o perfil do actor social exclusivamente pelo lado dos afectos. É um aspecto determinante para a sua acção, é certo, mas não é único.

Não acredito na redução das assimetrias sem complementar aos afectos a afirmação de valores e a disponibilização de conhecimento. Com certeza que cada caso é um caso, e para cada situação a importância que deve ser dada a cada um destes eixos deve variar.

Concordo contudo com a ideia de que os actores sociais são a linha da frente da denúncia das injustiças. E é sobre isso que gostaria de falar.

Não acredito que seja possível reduzir assimetrias, e criar uma sociedade inclusiva, sem criar uma consciência geral para esses problemas. E numa sociedade como a nossa o discurso político de uma entidade como o MAS, para conseguir os seus intentos, deve ser próximo das preocupações da sociedade em geral.

Não deve hostilizar a sociedade, não deve recriminar, não deve ralhar com ela. Tem de ser capaz de demontrar os malefícios para o todo social da existência de elevados níveis de exclusão e grandes assimetrias. O discurso de uma entidade política, mesmo que civil, como o MAS deve conseguir sobrepor as necessidades sociais daqueles que têm capacidade para alimentar com recursos humanos e financeiros a sua actividade, com as necessidades daqueles que irão usufruir dos serviços da sua própria actividade. Deve ser capaz de afirmar as suas preocupações sem diminuir quem ainda não está alerta para a urgência desses desafios. O discurso deve ser inclusivo, informativo e afectuoso de forma transversal.

Ricardo Castro

Sara Morais Pinto disse...

Olá Ricardo,

Obrigada pelo post. Penso que o teu comentário vem ao encontro da construção deste movimento. Os afectos tem um carácter infinito e com grande carga subjectiva para serem considerados como o “apenas” na posição que se deseja ser responsável e política. Mas como muitas vezes são esquecidos, aqui poderemos dar um lugar de enfoque.

O importante, parece-me ser a organização da sociedade civil, neste caso do 3º sector. A união faz a força! O caminho está por desbravar, mas o tempo é crucial, criar novas formas de chamadas de atenção, propor caminhos, reflectir, formar e estudar fenómenos sociais e influenciar politicas tem de ser um desafio comprometido, inteligente, criativo e diário.
Obrigada
Sara M. Pinto